domingo, 26 de junho de 2011

Meeiros de Café: Mineração e Escravatura (VII)

Eng Agr Ruy Gripp


Continuando com ‘Meeiros de Café’, de Vivaldo Barbosa, no histórico do café do entorno da "Serra do Caparaó", temos do Capítulo Dois, página 41 em diante:

"Nos anos Oitocentos, o café vai mudar todo esse panorama. O Brasil passa a ser o café. O café era Vale; o Vale o escravo. 

O Rio vai encarar o café com mais importância. Organizam-se viveiros de sementes e mudas, e são realizadas experiências na grande baixada do litoral, Mendanha, São Gonçalo, Magé, Itaboraí, Maricá.

Tropa e tropeiros sobem as serras e levam mudas para outro lado, Barra Mansa, Piraí, Pati de Alferes, Vassouras e Resende. Ai, o café encontra melhor hábitat até então experimentado, o vale do Paraíba região de tríplice fronteira, de tríplice domínio entre Rio de Janeiro, Minas e São Paulo. Os engenhos de açúcar e as pastagens de criação de gado vão dar lugar à lavoura de café. 

Os mineiros já não acham ouro, abandonam a mineração, descem na direção do Paraíba e, à margem esquerda, plantam café. Trazem consigo o capital auferido nas minas, necessário para implantar e sustentar a lavoura de café. 

Em 1810, Resende, que se tornara Vila em 1801, já constitui grande centro irradiador de café para todo o vale e em direção a São Paulo. O café já firma presença sensível na economia fluminense. Para tanto, os Índios coroados, que defendiam valentemente seus antigos domínios e viviam perturbando a chegada do co na região, foram enfrentados e afinal confinados em uma aldeia. Seus rivais puris eram mais dóceis assimiláveis. Foram mais facilmente miscigenados.

No lado de São Paulo, o Vale foi também recebendo café. Em Guaratinguetá, o café foi plantado em 1802, registrando sua primeira colheita em 1806. 

Anteriormente, nas últimas décadas do século anterior, essa região estava fortemente voltada para os engenhos de cana-de-açúcar, gradativamente substituídos pelas lavouras de café. 

Já em 1825, o café constitui a principal produção da região. Estimula o plantio a sua proximidade do porto de Parati. Era só varar e descer a serra. No lombo de burros. 

Em 1830, o panorama apresentava-se inteiramente diferente: o café alcança posição dominadora na agricultura, na economia. A essa altura, em toda a baixada de Angra a Cabo Frio, especialmente em seus morros, cultiva-se café, como complementar ao engenho de açúcar e à aguardente. Somente a baixada campista resiste em sua vocação açucareira. São Gonçalo é o grande centro irradiador para o lado norte da baixada litorânea, P. 42. 

Já naquela época, o café alcança os grandes e belos vales afluentes à margem esquerda do Paraíba, os vale do Pomba, do Muriaé, do Carangola. 

Mercadante situa na década de 1830 o estabelecimento das primeiras fazendas nessas áreas, e sua chegada a Carangola, na década de 1850. Cantagalo, agora com suiços e alemães, toma-se o grande pólo irradiador do café para a região fluminense mais ao norte, para Minas e para a Serra do Caparaó. 

O panorama físico, econômico e social da região montanhosa e do Vale do Paraíba apresenta-se bem outro. As matas dão lugar às lavouras; e as grandes árvores, aos arbustos de café. O Rio de Janeiro rompe definitivamente seu destino de guardião da costa e volta- se para as entranhas de suas montanhas e para os vales de seus rios. 

Pelos meados do século, o hábito de tomar café no país era amplamente difundido; americanos e europeus já o consumiam em larga escala. 

O Vale do Paraíba representava o berço de sua grande produção. Daí cunhou-se a expressão: "O Brasil é o Vale". Ou melhor dizendo, "O Brasil é o café. O café e o Vale" Mas o Vale é o escravo", insiste Ricardo Sales. 

A década de 1850 representa a idade de ouro da produção de café no Vale. Na segunda metade do século, o café vai vicejar ainda melhor no Centro e Oeste de São Paulo e, nas últimas décadas, encontra outro importante hábitat: a Serra do Caparaó.

O Vale do Paraíba desempenhou especial papel histórico para o Brasil. Diante da decadência da mineração, propiciou ao país novo direcionamento em sua economia. O Brasil sai da crise do setor de mineração e retoma a prosperidade com o café no vale. Absorve a mão de obra que não encontrava mais trabalho nas minas. Não há dúvidas de que o Vale figurou como um dos suportes da economia da nova nação que surgia com a recente independência.

Paralelamente, desenha-se nova classe social, com estratos superiores e médios - o fazendeiro do café e, o nível mais alto, o baronato do café. 

Surgem os barões nas grandes fazendas do Vale, magnatas do café, senhores das terras e de escravos que formavam o espectro da classe dominante no país. 

Consolidou-se uma classe senhorial escravista, que participou da construção do Estado nacional, estendeu-se por todo o território do país e para quase todos os estratos sociais e diferentes ramos de atividade. A base residia nas grandes propriedades rurais, especialmente no Rio de Janeiro, a partir da Baixada Litorânea e Fluminense, até a região serrana e o vale. Tratava-se de um processo sustentado comercial e financeiramente pela praça do Rio, através dos grandes comerciantes, capitalistas que tinham seus grandes clientes nos senhores de escravos, proprietários das grandes fazendas. 

Enraizavam-se nos organismos do Estado, ocupavam espaços públicos, representavam a base do Partido Conservador, os Saquaremas. Tudo gente que vinha das minas, de Portugal, das ilhas e de outros pontos do país. Uma classe social que dominou a cena política da nova nação, um dos sustentáculos do novo país.

Observou-se que a fazenda de café do vale do Paraíba constituía uma unidade de produção e um estilo de vida.

O país alcançou grandes índices de produção e pode exportar grandes quantidades, gerando divisas e colocando-se no cenário do comércio internacional.

Na Guerra do Paraguai (1865), muitos escravos foram mobilizados para as necessidades da guerra. Os escravos da nação e da Coroa foram libertos para participar da luta, e prêmios oferecidos a quem oferecesse escravos libertos para a Guerra, que contou com a presença massiva de negros. Tal participação impressionou muitos observadores estrangeiros. 

A instabilidade era grande, a insegurança maior ainda; fugas, rebeliões de escravos em todo canto. Desde a década de 30 e 40, ocorriam muitas manifestações de rebeldia, o que levava ao temor de insurreição geral. Na década de 60 e em anos anteriores, ocorreram, atos de violência, assassinatos e formação de quilombos. Em 1865, registraram-se manifestações abolicionistas, primeiramente por parte dos estudantes”.


Publicado no Jornal Tribuna do Leste, em 26 de junho de 2011, p. 29.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Recuperandos da APAC Manhuaçu participam de curso de classificação de cafés especiais

Recuperandos da APAC Manhuaçu (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) participaram de um novo treinamento direcionado à área d...