Eng Agr Ruy Gripp
Continuando com ‘Meeiros de Café’, de Vivaldo Barbosa, no histórico do café do entorno da "Serra do Caparaó", temos do Capítulo Dois, página 41 em diante:
"Nos anos Oitocentos, o café vai mudar todo esse panorama. O Brasil passa a ser o café. O café era Vale; o Vale o escravo.
O Rio vai encarar o café com mais importância. Organizam-se viveiros de sementes e mudas, e são realizadas experiências na grande baixada do litoral, Mendanha, São Gonçalo, Magé, Itaboraí, Maricá.
Tropa e tropeiros sobem as serras e levam mudas para outro lado, Barra Mansa, Piraí, Pati de Alferes, Vassouras e Resende. Ai, o café encontra melhor hábitat até então experimentado, o vale do Paraíba região de tríplice fronteira, de tríplice domínio entre Rio de Janeiro, Minas e São Paulo. Os engenhos de açúcar e as pastagens de criação de gado vão dar lugar à lavoura de café.
Os mineiros já não acham ouro, abandonam a mineração, descem na direção do Paraíba e, à margem esquerda, plantam café. Trazem consigo o capital auferido nas minas, necessário para implantar e sustentar a lavoura de café.
Em 1810, Resende, que se tornara Vila em 1801, já constitui grande centro irradiador de café para todo o vale e em direção a São Paulo. O café já firma presença sensível na economia fluminense. Para tanto, os Índios coroados, que defendiam valentemente seus antigos domínios e viviam perturbando a chegada do co na região, foram enfrentados e afinal confinados em uma aldeia. Seus rivais puris eram mais dóceis assimiláveis. Foram mais facilmente miscigenados.
No lado de São Paulo, o Vale foi também recebendo café. Em Guaratinguetá, o café foi plantado em 1802, registrando sua primeira colheita em 1806.
Anteriormente, nas últimas décadas do século anterior, essa região estava fortemente voltada para os engenhos de cana-de-açúcar, gradativamente substituídos pelas lavouras de café.
Já em 1825, o café constitui a principal produção da região. Estimula o plantio a sua proximidade do porto de Parati. Era só varar e descer a serra. No lombo de burros.
Em 1830, o panorama apresentava-se inteiramente diferente: o café alcança posição dominadora na agricultura, na economia. A essa altura, em toda a baixada de Angra a Cabo Frio, especialmente em seus morros, cultiva-se café, como complementar ao engenho de açúcar e à aguardente. Somente a baixada campista resiste em sua vocação açucareira. São Gonçalo é o grande centro irradiador para o lado norte da baixada litorânea, P. 42.
Já naquela época, o café alcança os grandes e belos vales afluentes à margem esquerda do Paraíba, os vale do Pomba, do Muriaé, do Carangola.
Mercadante situa na década de 1830 o estabelecimento das primeiras fazendas nessas áreas, e sua chegada a Carangola, na década de 1850. Cantagalo, agora com suiços e alemães, toma-se o grande pólo irradiador do café para a região fluminense mais ao norte, para Minas e para a Serra do Caparaó.
O panorama físico, econômico e social da região montanhosa e do Vale do Paraíba apresenta-se bem outro. As matas dão lugar às lavouras; e as grandes árvores, aos arbustos de café. O Rio de Janeiro rompe definitivamente seu destino de guardião da costa e volta- se para as entranhas de suas montanhas e para os vales de seus rios.
Pelos meados do século, o hábito de tomar café no país era amplamente difundido; americanos e europeus já o consumiam em larga escala.
O Vale do Paraíba representava o berço de sua grande produção. Daí cunhou-se a expressão: "O Brasil é o Vale". Ou melhor dizendo, "O Brasil é o café. O café e o Vale" Mas o Vale é o escravo", insiste Ricardo Sales.
A década de 1850 representa a idade de ouro da produção de café no Vale. Na segunda metade do século, o café vai vicejar ainda melhor no Centro e Oeste de São Paulo e, nas últimas décadas, encontra outro importante hábitat: a Serra do Caparaó.
O Vale do Paraíba desempenhou especial papel histórico para o Brasil. Diante da decadência da mineração, propiciou ao país novo direcionamento em sua economia. O Brasil sai da crise do setor de mineração e retoma a prosperidade com o café no vale. Absorve a mão de obra que não encontrava mais trabalho nas minas. Não há dúvidas de que o Vale figurou como um dos suportes da economia da nova nação que surgia com a recente independência.
Paralelamente, desenha-se nova classe social, com estratos superiores e médios - o fazendeiro do café e, o nível mais alto, o baronato do café.
Surgem os barões nas grandes fazendas do Vale, magnatas do café, senhores das terras e de escravos que formavam o espectro da classe dominante no país.
Consolidou-se uma classe senhorial escravista, que participou da construção do Estado nacional, estendeu-se por todo o território do país e para quase todos os estratos sociais e diferentes ramos de atividade. A base residia nas grandes propriedades rurais, especialmente no Rio de Janeiro, a partir da Baixada Litorânea e Fluminense, até a região serrana e o vale. Tratava-se de um processo sustentado comercial e financeiramente pela praça do Rio, através dos grandes comerciantes, capitalistas que tinham seus grandes clientes nos senhores de escravos, proprietários das grandes fazendas.
Enraizavam-se nos organismos do Estado, ocupavam espaços públicos, representavam a base do Partido Conservador, os Saquaremas. Tudo gente que vinha das minas, de Portugal, das ilhas e de outros pontos do país. Uma classe social que dominou a cena política da nova nação, um dos sustentáculos do novo país.
Observou-se que a fazenda de café do vale do Paraíba constituía uma unidade de produção e um estilo de vida.
O país alcançou grandes índices de produção e pode exportar grandes quantidades, gerando divisas e colocando-se no cenário do comércio internacional.
Na Guerra do Paraguai (1865), muitos escravos foram mobilizados para as necessidades da guerra. Os escravos da nação e da Coroa foram libertos para participar da luta, e prêmios oferecidos a quem oferecesse escravos libertos para a Guerra, que contou com a presença massiva de negros. Tal participação impressionou muitos observadores estrangeiros.
A instabilidade era grande, a insegurança maior ainda; fugas, rebeliões de escravos em todo canto. Desde a década de 30 e 40, ocorriam muitas manifestações de rebeldia, o que levava ao temor de insurreição geral. Na década de 60 e em anos anteriores, ocorreram, atos de violência, assassinatos e formação de quilombos. Em 1865, registraram-se manifestações abolicionistas, primeiramente por parte dos estudantes”.
Publicado no Jornal Tribuna do Leste, em 26 de junho de 2011, p. 29.
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