Eng Agr Ruy Gripp
Continuando com ‘Meeiros de Café’, de Vivaldo Barbosa, obra que retrata a história da colonização desta parte do Brasil entre MG/ ES, que engrandece o autor e nossa região cafeeira do entorno da ‘Serra do Caparaó’, temos do Capítulo UM:
A produção de ouro atinge seu auge em 1725, e assim permanece até 1785 quando entra em franca decadência. A Inconfidência se dá no clima dessa decadência, diante da derrama que a Coroa achou necessária para reforço de seu tesouro, em face da queda na produção.
Em 1750, o precioso metal alcançou produção extra para socorrer a reconstrução de Lisboa, destruída por incêndio no chamado "subsídio voluntário”, que durou dez anos.
No auge da produção, trabalhavam nas minas cerca de 130 mil pessoas, das quais 95 mil eram escravos. Estes foram especialmente buscados no Congo, em cujas ricas minas haviam sido treinados para determinada técnica de escavar os túneis sem provocar desabamento. Calcula-se que tenham sido extraídas 600 toneladas de ouro das minas de Vila Rica, fora o contrabando e o que saia nos ‘santos de pau oco’.
"A exploração das ricas minas de ouro da região de Vila Rica era de caráter privado, realizado por particulares. O governo português limitava-se a emitir os alvarás de concessão para exploração das minas. E cobrava o imposto decorrente da exploração: 20% do produto. Era o imposto do quinto, isto é, a quinta parte pertencia à Coroa Portuguesa. Para tanto, o governo controlava as casas de peso e de fundição, bem como os caminhos pelos quais poderia se escoar o contrabando, P. 22.
Do seu quinto, o governo português cobria as despesas na Colônia e transportava o grosso para Portugal.
Os mineradores particulares portugueses levavam sua parte diretamente para Portugal ou a vendiam aos comerciantes portugueses.
Muitos desses mineradores foram ficando na região com suas famílias ao longo do século, assim como os paulistas e os demais que vieram de outras partes do país ajudaram a construir as formidáveis igrejas com suas belas obras de arte do nosso barroco, e lá colocaram parte do ouro. Forjaram nova e diversificada sociedade, a maior e mais forte do país, com gente vinda de toda parte, constituíram-se nas elites mais importantes da nova terra, nos âmbitos econômico, cultural e político. Fizeram o mais belo movimento da história do país até então, Inconfidência Mineira, sob a liderança de nosso mártir maior, o nosso Tiradentes.
Minas transforma-se na mais populosa e mais rica província da Colônia. A economia da mineração articula-se com outras áreas. Importam-se cavalos, burros e mulas criados lá nos pampas de São Pedro do Rio Grande. Consome-se o gado produzido em outras áreas de Minas, do vale de São Francisco e de Pemambuco. Consome-se o açúcar produzido nos engenhos espalhados pela costa, em maior parte plantados no Nordeste.
Mas o produto da mineração não permaneceu em Portugal. Dali passou à Inglaterra, para comprar manufaturas inglesas. Consumiu-se na mediocridade das elites portuguesas. Lamounier lembra o historiador português Antônio Sérgio, que descreveu a período do reinado de D. João V na primeira metade dos Setecentos como uma imitação de Luís XIV, um "delírio de luxo beato às custas das minas do Brasil”, P24.
É preciso finalmente dizer que, embora boa parte do ouro tenha se esvaído para Portugal, e de lá à Inglaterra, a economia da mineração alimentou uma economia de porte e ajudou a forjar uma sociedade de nível de importância tamanha, com profissionais, intelectuais, artistas, proprietários, comerciantes, que só podia dar no que deu, pouco tempo depois: a Independência e a criação de um país.
Independência que veio na esteira de ‘levantes e sedições’, “proliferação dos quilombos", "andanças desordenadas de desocupados", revoltas "surdas, constantes, disseminadas cotidianas", no dizer de Laura de Mello e Souza. Lamounier lista as revoltas abertas: "Guerra dos Emboabas (1707-1709) no sertão do Rio das Velhas (1717) revoltas de Pitangui e Vila Rica (1717-1720) e do sertão do São Francisco (1736). E a mais bela delas: Inconfidência em 1789.
Primeiras e efêmeras penetrações na Zona Proibida
Os índios botocudos tiveram sua vida infernizada pelos mineradores da região de Vila Rica. Eram índios valentes, senhores de suas áreas, com consciência de seu domínio sobre estas. Sentiram-se agredidos pela presença do homem banco em suas terras, a tudo cavoucando, em tudo mandando e chegando a forçar muitos deles ao trabalho escravo. Procuraram reagir em seus brios e em seus direitos, motivados por uma tênue noção de soberania. Foram dando o troco, e passaram a infernizar a vida dos mineradores.
De outro lado, em conflito sobre áreas de domínio com os puris, os botocudos, mais valentes, empurram os puris para o leste, mais para dentro da mata, mais para o Caparaó.
O governador da Província, em 1734, incumbiu o mestre-de-campo Matias Barbosa de organizar uma bandeira para descer o Rio Doce e combater os botocudos. Ao mesmo tempo, mandou abrir uma picada na direção de Cuieté. Fundou o Presídio de Abre Campo para indígenas, o qual durou pouco. Como a região das grandes minas situava-se em uma das cabeceiras do Rio Doce e de seus afluentes, a área em torno de Vila Rica, acreditou-se que mais abaixo no curso desses rios, igualmente haveria de se encontrar ouro.
Algumas expedições saíram com essa justificativa. Até que, em 1758, a expedição chefiada por João Peçanha Falcão, descendo pelos rios Suaçuí e Vermelho e Córrego das Almas, descobriu ouro em aluvião. Foi o Descoberto do Peçanha, que atraiu muita gente e fez nascer um povoado.
No sentido oposto, vindas do litoral pela foz do Rio Doce e subindo seu curso, muitas tentativas se fizeram para descobrir ouro em seu leito.
Algumas faiscações ocorreram nas margens dos rios Manhuaçu e Caratinga (Cuieté). É necessário ter em mente que essas penetrações possibilitavam contatos com os índios. Os aventureiros iam embora, mas deixavam para trás muitas índias engravidadas.
A Zona Proibida torna-se livre
Em mapa da Capitania de Minas Gerais de 1798, reproduzida na pågina 36, verifica-se o imenso vazio desde as margens à esquerda do Rio Paraíba, os vales dos rios Pomba, Muriaé e Carangoła, passando pela Serra do Caparaó até o vale do Rio Doce e daí para cima chegando ao Rio São Mateus, não há um povoado sequer. De Mariana, nos limites da zona de mineração, em direção ao Espírito Santo, as únicas menções existentes são a Abre Campo e a Cuieté.
Em 1733, como referido, ficou proibida, por Alvará, a abertura de novas picadas na capitania de Minas Gerais. Já desde o início dos anos Setecentos, começara a produção de ouro, que se arrastou até o final do século. Por aproximadamente sessenta anos, entre 1725 e 1785, a produção é intensa, em grandes quantidades.
Os caminhos de carregamento do ouro poderiam se fazer para a Bahia e para o Rio de Janeiro. Nesses caminhos, o governo tinha pontos de fiscalização e controle.
Mais tarde, ao começar a escassear a extração, o caminho para a Bahia também ficou proibido.
Somente era permitido o caminho para o Rio de Janeiro, pois a fiscalização tinha de ser eficiente, nada podia escapar, uma vez que os recursos do erário estavam ficando magros. Também pudera, todo o ouro que chegava a Portugal ia parar na Inglaterra para comprar tecidos e outros produtos da indústria inglesa.
Os acordos feitos com a Inglaterra praticamente impossibilitavam Portugal de estabelecer indústria e, por consequência, o Brasil. Aliás, no decorrer dos anos Setecentos, a Inglaterra passou a deter, na prática, o monopólio da indústria na Europa, fato que se acentuou ainda mais com o estourar da Revolução Industrial, subsequente à descoberta da máquina à vapor, em 1760.
Porém, com a decadência da mineração, cuja produção caiu fortemente a partir de 1785 e do começo dos anos Oitocentos, já no século XIX ocorre a penetração da Zona Proibida e o homem branco - brasileiro e português - vai chegando.
Publicado no Jornal Tribuna do Leste, em 05 de junho de 2011, p. 33.
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