Continuando com ‘Meeiros de Café’, de Vivaldo Barbosa, obra que retrata a história da colonização desta parte do Brasil entre MG/ ES, que engrandece o autor e nossa região cafeeira do entorno da "Serra do Caparaó", temos do Capítulo UM, página 27 em diante:
"Com a queda na produção das minas, não mais era necessário temer o contrabando, pois pouco ouro sobrava, nem mais sentido havia em temer franceses ou holandeses. Já não era lógico proibir o descaminho do que pouco existia. As Áreas Proibidas não mais faziam sentido.
A tradição popular da região registra a presença de alguns brancos já na última década dos anos Setecentos. Seriam familiares dos inconfidentes, os quais, temerosos do que lhes poderia acontecer, embrenharam-se pelas matas e se acomodaram nessa região desabitada e longínqua da Serra do Caparaó. Um destes, da família Teixeira, radicada na antiga Cachoeirinha, hoje Irupi, Espirito Santo, casou-se com a filha de Nominato Fidelis, residente nas cercanias de Pequiá.
De acordo com informação transmitida por antepassados dos Teixeira, a família era parente direta de Tiradentes.
Já em 1807, o governador de Minas estabelece um quartel perto do Peçanha, às margens do Suaçuí, afluente do Rio Doce. Mercadante destaca, ainda, que nesta época o Rio Jequitinhonha recebe canoas com algodão das Minas Novas em direção ao litoral.
A fim de encurtar o caminho, foi aberta uma estrada para trazer gado da Província de Minas para Campos, através do Rio Pomba, evitando a passagem pelo Rio de Janeiro, P. 28.
A Abertura pelo Espírito Santo - Reconhecendo-se o bom senso de que o escoamento das riquezas das minas e das regiões circunvizinhas seria mais bem conduzidas pelo Espírito Santo, e não pelo Rio, pela Bahia ou por São Paulo, foi realizada a maior tentativa de abrir as entranhas da Zona Proibida e de melhor revelar aos olhos do homem branco a Serra do Caparaó, a partir da abertura da estrada que viria de Vitória à Vila Rica.
Até então, aos olhos dos portugueses, a missão do Espírito Santo consistia em defender a costa. Era proibido deslocar-se para o interior. Alvará de 1710 proíbe o Espírito Santo de abrir estradas em direção a Minas Gerais. O governo português alimentava dupla preocupação, determinante desta estratégia, como já referido.
De um lado, o contrabando do ouro diretamente de Vila Rica ao porto de Vitória, o mais curto caminho. De outro, a possibilidade de franceses, holandeses ou quaisquer outros entrarem por Vitória e atingirem Vila Rica, apossando-se das minas. Sem qualquer caminho, sem qualquer pessoa na área, ser-lhes-ia praticamente impossível penetrar na densa floresta e atravessar as elevadas montanhas para chegar à zona do ouro. Levaria tempo. Poderiam ser detidos.
Os historiadores registram o fato de que, por essa ocasião, a economia do Espírito Santo mostrava-se muito precária, muito pobre. Igual registro é feito por ilustres e famosos visitantes que percorreram o Brasil naquele período, como Weid e Saint Hilaire.
A economia limitava-se a alguns engenhos de cana-de-açúcar e currais de criação de gado. Falava-se em pobreza e miséria de sua população. Era necessário explorar o interior, explorar o Rio Doce e abrir comunicação com Minas Gerais.
A navegação do Rio Doce era proibida. O Alvará de 1733 reiterou: qualquer pessoa, sob qualquer pretexto, estava proibida de passar pelo rio Doce.
Em 1769, o ouvidor do Espírito Santo prendeu um capitão de Bandeira que ignorara a ordem do Alvará, proibindo-o de ali voltar. Por ocasião da Independência, a economia do Espírito Santo apresentava-se atrofiada; o estado, despovoado, não tinha contato com as Minas.
Ao alvorecer do novo século, a metrópole dá sinais de mudança de orientação.
Em 1800, o novo governador da Bahia, Silva Pontes, ao qual o Espírito Santo estava subordinado, chega com a missão de ‘abertura e navegação do rio Doce’. Nesse mesmo ano, faz a demarcação de divisas Minas Gerais.
Com a presença da família real no Brasil, o Espírito Santo obtém sua autonomia (1811). A capitania do Espírito Santo havia ficado sob domínio dos descendentes do donatário Fernandes Tourinho, passando mais tarde ao patrimônio régio, ficando subordinado à Bahia.
Inaugurou-se uma era empreendedora com o novo governador, Francisco Alberto Rubin, nomeado em 1812, o qual realiza administração dinâmica e criativa.
Em 1813, estabelece uma colônia de açorianos em Viana.
Em 1814, Rubin concebia o plano da construção de uma estrada para ligar Viana a Vila Rica.
D. João VI, por Alvará de 1815, permitiu a abertura da estrada, iniciada em seguida. O trabalho foi lento. As dificuldades eram imensas: pedras colossais, serras íngremes, ataques de índios que procuravam preservar seus domínios da invasão do branco.
Abria-se a estrada e estabelecia-se um quartel ao longo de seu trecho, de três em três léguas. A obra veio vindo lentamente, penetrou na Serra do Caparaó, atravessou o rio Pardo e recebeu o nome de São João, em homenagem a D. João VI, mais tarde denominada de São João do Príncipe, em homenagem ao nascimento de Pedro II-, no início da subida da serra, para atingir o Pico da Bandeira. Ali foi fundado um quartel. Em Manhumirim, a estrada percorria a Serra dos Correia, o Ouro, rio Manhuaçu e Casca, passava pela Ponte Nova, e chegava a Vila Rica.
Segundo relato de Basílio Carvalho Daemon, a estrada era prevista em 72 léguas, e foi incumbido de sua abertura o capitão do Corpo de Pedestres, Ignácio Pereira Duarte Carneiro. Os registros informam que, no ano de 1817, haviam sido abertas 10 léguas, de Vila do Viana até o Quartel de Ourém.
Registram os historiadores a passagem, na estrada, em 1820, da primeira bolada, procedente das pastagens de Minas Gerais.
Caio Prado Jr. Observou Caio que o gado de Minas foi a principal razão para a construção da estrada. Em face da baixa população e da pobreza, havia falta de consumo para a grande quantidade de gado que chegava e o comércio não prosperou. A estrada foi abandonada.
Em 1833, é reaberta pelo lado do Espírito Santo.
As margens dessa a estrada e dos rios que cortava, fazendas foram se estabelecendo, povoados criados, capelas erguidas. Por seu leito, foi chegando gente à Serra do Caparaó. E foi chegando também o café.
O ilustre visitante e grande analista Maximiniano, príncipe de Wied Neuwied, conheceu o café na Fazenda Muribeca, em Cachoeiro do Itapemirim, em 1816.
Os habitantes originais - desde tempos imemoriais, os puris foram os povos que habitavam essa região do Caparaó. Certamente viveram ali com mais tranquilidade do que seus parentes tupis na costa do Espírito Santo ou na região das minas, onde a presença do branco europeu português veio a constituir enorme fator perturbador na vida daquelas comunidades indígenas. Com estas, os brancos se misturaram, se miscigenaram, dominando-as e submetendo-as.
Os negros escravos foram também outra raça a ter contato com os índios, embora de maneira diferente. Mas igualmente se misturaram e se miscigenaram.
Nessa região, porém, tal processo levou mais tempo. Os puris foram poupados em algumas gerações. Ali era a Área Proibida. Por ali não era possível a ninguém se estabelecer, ter casa para morar, ou abrir área para trabalhar a terra. Nem por ali se podia passar. Pois era exatamente por ali, por sobre o Pirapetinga, que era possível traçar o caminho mais curto entre as minas de Vila Rica e o porto de Vitória, e de lá para Portugal, evitando o pagamento do quinto do ouro achado e garimpado”.
Publicado no Jornal Tribuna do Leste, em 12 de junho de 2011, p. 33.
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