terça-feira, 22 de abril de 1997

Desativação de Ferrovias, Ernani Emerick Faria

DESATIVAÇÃO DA E.F.L. (RFFSA) - FERROVIA CENTRO-ATLÂNTICA - RAMAL: CONGONHAS - OURO PRETO - MARIANA - PONTE NOVA - VIÇOSA - CATAGUASES 


Economista Ernani Emerick Faria


Em 1971 ocorreu a desativação da EFL no ramal Manhuaçu Cachoeiro do Itapemirim, via Alto Jequitibá, Espera Feliz e Guaçuí. Agora neste início de 1997, estamos presenciando a liquidação de mais um extenso trecho ferroviário no leste de Minas.

O povo brasileiro é omisso e, infelizmente, não conhece a extensão do estrago causado à economia pelo fechamento de uma ferrovia. Ao se extinguir uma estrada de ferro liquida-se com o passado, o presente e o futuro com um só golpe. 

Quanto ao atentado à preservação da Memória Nacional, nem nos atrevemos a falar, pois, no coração é forte. 

Não somos contra os caminhões, automóveis, nem contra o transporte rodoviário. Eles têm seu lugar assegurado. O valor de uma ferrovia é que ela é autossustentável, isto é, sua manutenção é de sua própria responsabilidade. 

Dizer que as ferrovias são deficitárias é uma grande balela, um engodo. Quero que nos apresentem um ramal rodoviário construído com recursos da iniciativa particular que seja lucrativo, com a cobrança de pedágio pela passagem dos veículos automotores. 

Duvido que a análise financeira de um projeto rodoviário seja rentável, que haja retomo do investimento. Aliás, proprietários particulares de rodovias públicas são uma falácia. 

No mundo inteiro a construção e manutenção de rodovias é responsabilidade do Estado (governos federal, estadual e municipal). A rodovia enquanto empresa é altamente deficitária em virtude dos altos custos de construção, manutenção e reposição do piso pavimentado.

A ferrovia é (ou deveria ser) a espinha dorsal do transporte pesado e de longa distância no país. É fator de segurança nacional. A ausência de extensa e eficiente malha ferroviária agrava o chamado "custo do Brasil", tomando-o inibidor da competitividade dos produtos brasileiros. A minguada extensão de trilhos no Brasil (apx. 32.000 Km) não é quase nada quando comparada com a Índia, outro país subdesenvolvido, que é seguramente uma das maiores redes ferroviárias do mundo, acima dos 200.000 Km. Até a Argentina tem mais trilhos que o Brasil.

A civilização brasileira, mesmo após 500 anos de existência, ainda não conseguiu afastar-se do litoral exatamente pela ausência de um transporte econômico, seguro, de alta tonelagem e confiável a ferrovia que a conduzisse ao vasto território central e do norte do país, ainda extremamente pobres e despovoados.

A ferrovia é a base, infraestrutura, para os gigantescos projetos industriais: montadoras de automóvel, alumínio, siderúrgica, cimento, celulose, serraria de pedras, refinaria de petróleo, usina de pelotização, mina, concentração de minérios, ferroligas, etc.

Paradoxalmente, parece que antigamente era muito fácil construir estradas de ferro, com picaretas, pás, enxadas, carroças de burro e mão-de-obra desqualificada. Hoje transpira ser mais difícil, mesmo com as perfuratrizes automáticas, moto-scrapers, tratores de esteira, pás carregadeiras, concreto armado, caminhões basculantes, etc.

Mas voltemos à atual desativação de parte da Centro-Atlântica: essa desativação não se justifica. Há cláusulas no contrato de arrendamento das linhas que obrigam a empresa concessionária a manter todas as linhas recebidas em funcionamento regular.

Vamos colher agora alguns depoimentos sobre o último golpe em cima da EFL (Estrada de Ferro Leopoldina/RFFSA):


1-Hipoteticamente, do presidente da Centro-Atlântica.


- A verdade é a seguinte: nosso maior objetivo é a obtenção de lucro. Com tudo que seja oneroso e deficitário temos que acabar. Esse é o caso do ramal de Ponte Nova. Só dá prejuízo e é de difícil operação técnica; devido ao traçado sinuoso, rampas fortes, trilhos desgastados, dormentes apodrecidos e material rodante caindo aos pedaços. Essa Leopoldina só me dá aborrecimento. Vejam bem, nem minha filha é. Arrendei-a do governo federal (RFFSA) com a obrigação de cuidar muito bem dela. Só que pelo fato de estar muito doente, fraca e quase imobilizada, acho muito melhor matá-la (desativá-la) do que a internar numa clínica de recuperação (substituição de trilhos desgastados e dormentes podres, retificação de curvas, duplicação de rampas, perfuração de túneis, aumento de velocidade média dos trens, substituição de vagões e locomotivas, aperfeiçoamento da mão-de-obra, diminuição do nº de estações, política de captação de cargas, etc). 


II- Dom Pedro II e Barão de Mauá (post mortem)


-Nossa preocupação é cortar o Brasil de norte a sul e de leste a oeste com estradas de ferro. A Europa e a América do Norte entraram nessa onda e nós não podemos ficar para trás. Para tanto iremos construir quantas ferrovias forem necessárias. Com capital nacional auxiliado por recursos estrangeiros, iremos levar os trilhos (o progresso) a todos os rincões de nossa terra. 


III-Engenheiro Pedro Nolasco (post mortem) 


- Não é fácil construir uma ferrovia. Dediquei toda minha vida, não me lembro se foi a partir de 1906, a levar a Estrada de Ferro Vitória-Minas do Espírito Santo até Nova Era (cerca de 50 anos). 

Os recursos financeiros vieram principalmente dos Estados Unidos. 

A febre amarela matou centenas de operários meus, mas uma guerra mataria muito mais. O meu sonho é que pelo menos até o ano de 1997 os trilhos da EFVM alcancem Itabira e a Estação Central de Belo Horizonte. Agora, quanto ao fechamento da Leopoldina, o que lamento dizer é que em apenas 1 dia esvai-se todo o esforço, trabalho e dinheiro empregado durante 50, 70 ou mesmo 100 anos de história ferroviária. 


Alto Jequitibá, 29 de março de 1997.


Emani Faria - Economista Presidente do Conselho de Desenvolvimento de Alto Jequitibá



Créditos e legenda da foto do trem:

Foto publicada no Facebook, na Página Você é de Manhuaçu SIM, por Professor Flávio Almeida. 

NO TEMPO DO TREM DE FERRO . Foto tirada na Estação Ferroviária de Manhuaçu , na baixada . No cenário , a Locomotiva “ Maria Fumaça “ como pano de fundo. No elenco : Sérgio Albuquerque Filgueiras e Katia Albuquerque Filgueiras ( irmãos entre si, ainda adolescentes) com parentes da família.
Foto do Acervo de Sérgio Albuquerque Filgueiras . Restauração: Flávio Almeida com aplicativo IA.


Pesquisa e digitalização: Thomaz Júnior

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