Thomaz Wood Jr.
ALGUMAS EMPRESAS SÃO VÍTIMAS de depressão crônica: seus funcionários vagam pelos escritórios e fábricas como almas penadas, desinteressados do mundo ao redor, a contar os minutos para o fim do dia e a aguardar os fins de semana. Uma sombra parece dominar o ambiente. O comportamento é de nau à deriva, à mercê dos eventos, sem capacidade de definir um rumo. Em tempestades ou calmarias, domina a coletividade um estranho amálgama de sentimentos de culpa, inadequação, falta de motivação e incapacidade para tomar decisões.
Na falta de bons psicólogos e psicanalistas, hordas de charlatões vêm se aproveitando da patologia e transformando receitas duvidosas em boa fonte de lucros. O Prozac corporativo tem um princípio ativo simples - a molécula mágica ‘motivação’ - e posologia variada, que pode incluir palestras pirotécnicas, treinamentos de sublimação, incentivos pífios e slogans de ocasião. O resultado é duvidoso e pode provocar efeitos colaterais, como os comportamentos de fachada e o aumento do cinismo. Mesmo assim, o show não pode parar.
Diante de pequenas e grandes catástrofes, os advogados dessas fúteis iniciativas alegam "falhas de implementação" e recitam um dogma sagrado da "ciência" da gestão de pessoas: "funcionários felizes são mais produtivos e levam a empresa a patamares superiores de desempenho”. Do que se deduz que empresas que cuidam melhor de seus colaboradores colhem frutos com maiores receitas e margens mais saborosas. Em suma, tratar bem a patuléia traz bom retorno sobre o investimento.
Entretanto, uma pesquisa recentemente publicada no Journal of Applied Psychology sugere que talvez estejamos colocando a carroça à frente dos cavalos. Benjamin Schneider, Paul Hanges, D. Brent Smith e Amy Salvaggio, da Universidade de Maryland, estudaram 25 empresas, classificadas entre as mais admiradas dos Estados Unidos, por um período de oito anos. Essas organizações fazem parte de um grupo que realiza pesquisas anuais de atitude com seus funcionários. A cada ano, mais de 10 mil funcionários são ouvidos. A pesquisa inclui vários tópicos relacionados ao nível de satisfação com remuneração, benefícios, segurança e com o próprio trabalho. O foco da pesquisa é entender a relação entre a satisfação dos funcionários e o desempenho financeiro da organização.
A partir dessa base, os pesquisadores tentaram correlacionar a influência do nível de satisfação com o nível de desempenho das empresas. Se tal hipótese fosse comprovada, isso confirmaria o senso comum: funcionários felizes contribuem para o bom desempenho de suas organizações. De forma surpreendente, não foi o que a análise estatística mostrou. Ao contrário, o que se constatou é que o alto desempenho da empresa é que torna os funcionários mais satisfeitos. Por que isso ocorre? Primeiro, porque trabalhar em uma empresa que tem bom desempenho é por si só um fator de satisfação, especialmente se para o indivíduo isso significar fazer um trabalho bem feito, que tenha propósito claro e traga benefício tangível. Segundo, porque empresas bem-sucedidas criam mais chances de carreira e tendem a recompensar seus funcionários melhor que empresas de baixo desempenho.
Como observa Christian Kiewitz, da Universidade de Dayton, ao comentar a pesquisa, os resultados não sugerem que se deve trocar a velha máxima - “funcionários felizes fazem empresas de alto desempenho” - por uma nova - "empresas de alto desempenho fazem funcionários felizes". A realidade é que a relação entre satisfação no trabalho e desempenho é mais complexa que as bulas dos livros de auto-ajuda. Pode-se de fato estimar que a relação entre as duas variáveis - satisfação e desempenho - é circular: uma interfere na outra.
Portanto, os trogloditas devem refrear seus ímpetos homicidas. Talvez não tenha ainda chegado a hora para fazer arder em chamas os programas de qualidade de vida no trabalho e decapitar o diretor de Recursos Humanos (não por esse motivo). Por outro lado, o resultado traz um alerta para os viciados em Prozac corporativo: se o desempenho não for adequado e o trabalho não for realizado de forma eficaz e eficiente, não há cenoura, palestra do professor Marins ou livro do Spencer Johnson que ajude. Como se sabe, a motivação é o substituto pobre para a falta de sentido. e-mail: twood@fgvsp.br
(NOTA: Artigo publicado na Revista Carta Capital, edição 12 de maio de 2004).
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