O celular treme num toque tímido, mas audível. “Preciso
falar com você. Me liga ou me manda um torpedo se não puder”. É sábado, faz
frio na sombra, mas no sol a pele queima. A mensagem o arranca do momento relax
de tarde ensolarada, cheiro de mar, tira-gosto e bons vinhos entre amigos. Olha
o visor do aparelho. O SMS é dela.
Ela, a dona do sorriso que parece ter vindo daquele lote de
fábrica no qual está especificado EPDB – Especial Para Desmontar Brutamontes.
Quando chegou, a moça de ar inatingível causou frisson entre os marmanjos do
hospital. Desde então, ele vem usando de toda a paciência e persistência do
mundo na tentativa de se aproximar. Oito meses. Mais precisamente oito meses e
21 dias. Esse foi o tempo que levou para receber aquela mensagem.
A essa altura, já gastou todo o repertório de cantadas
assimilado em uma década e meia de boteco com os amigos, sem contar a própria
prática. Nenhuma tinha surtido o menor efeito. E agora que o sinal verde foi
dado, não sabe o que fazer, não tem ideia de como avançar no território
inimigo.
Para evitar a gozação, se afasta um pouco do local onde
estão os amigos e retorna a mensagem com um telefonema. Não gosta de SMS (é
míope, não usa óculos em ocasiões sociais e por isso a vista embaralha na hora
de ler e digitar).
– Oi, tudo bem? Tu me ligou?
– Liguei.
– É que você tinha dito que se eu quisesse sair pra jantar a
gente podia…
– Claro, claro….
– A gente podia ir hoje, se você puder. Estou livre a partir
das oito da noite.
– Tá feito.
Meio bolado, desliga o celular, tomado por um pensamento
fixo. É hoje ou nunca.
– Adivinha quem me mandou um torpedo?
– Quem?
– Ela.
– Ah, tu tá de sacanagem.
– É sério. Vamos sair pra jantar hoje.
Um silêncio invejoso paira no ar e é seguido por urros
grotescos e zoações machistas.
– Pegador!, Galinha!, Neandertal das galáxias!
Os amigos, como ele, são jovens médicos que também trabalham
no hospital. Todos com uma carreira promissora no horizonte.
– Onde que eu levo a guria?
– Se tu quiser impressionar, tu vai no Antiquarius. Não
existe probabilidade de tomar um toco depois de um jantar lá.
Fazendo um cálculo por alto, um jantar no restaurante
Antiquarius, localizado a dois quarteirões da praia, no Leblon, pode custar de
R$ 400 (o básico) a mais de R$ 15 mil, dependendo da exigência do freguês.
Chega à conclusão de que está disposto a gastar entre R$ 1.500 e R$ 2.000.
– Ih! Tá apaixonado. Se precisar, pede socorro!, a galera
continua a zoar.
Nove da noite e já está na porta do prédio na Otaviano
Hudson, esquina com Toneleros, em Copacabana. Ela aparece radiante, de
vestidinho preto, um palmo acima dos joelhos, botas de cano curto. Chega
ajeitando o cabelo.
– Comida portuguesa e um bom vinho. Topa?
– Claro.
No Antiquarius, o ambiente é sofisticado, confortável e
aristocrático. A atração da casa são as nobres receitas portuguesas. A carta de
vinhos é unanimidade e conta com os melhores produtores do mundo. À meia luz,
escolhe o vinho. R$ 1.112, um preço inatingível para comuns mortais. Ele se
sente satisfeito e não disfarça uma ponta de orgulho. E isso é só o começo.
No fim do jantar romântico, o garçom apresenta a conta: R$
11.419.
– Tem um erro. O valor é muito alto. Confere, por favor.
– Senhor, a garrafa de vinho custa R$ 11.112.
Bate um constrangimento que é quase um estado sólido. Não
tem dinheiro para pagar a conta e o valor ultrapassa o limite do cartão de
crédito. A saída é parcelar a quantia em dez cheques de R$ 1.114,90, mas como
só tem sete folhas ainda precisa pedir três emprestadas à acompanhante.
A gata vai embora de táxi e ele volta pra casa sozinho.
O celular treme num toque tímido, mas audível. Ele pensa,
aliviado: é ela! Olha o visor, mas o nome que aparece é o do Alfredão. A
mensagem diz:
“E aí, comeu?”
Fonte: https://zulmirafurbino.wordpress.com/2013/07/15/e-ai-comeu/
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