quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Manhuaçu vai à guerra!

Manhuaçu na Revolução de 1930 Revolução de 1930

 

 Na República Velha, havia uma aliança entre as lideranças políticas de Minas Gerais e São Paulo para a alternância no poder, conhecida como “política do café com leite”. Em um pleito, São Paulo indicava o candidato a Presidente da República; no outro, era a vez de Minas Gerais. Em 1929, Minas quem indicaria o candidato, mas São Paulo rompeu o acordo e as lideranças políticas paulistas lançaram Júlio Prestes. Em resposta à afronta, o Presidente de Minas Gerais, Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, hipotecou apoio ao candidato gaúcho Getúlio Vargas.

Em 1° de março de 1930, realizou-se a eleição. A vitória foi do candidato governista Júlio Prestes. Porém, ele não tomou posse, em virtude do golpe de estado desencadeado em 3 de outubro de 1930, conhecido como “Revolução de 1930”. O candidato vitorioso Júlio Prestes foi preso e exilado, ao término do levante, que durou exatamente um mês, patrocinado pela Aliança Liberal formada pelos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba.

 Em 3 de novembro de 1930, data que marcou o fim da República Velha, o candidato derrotado Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório e passou a governar sob o regime de ditadura.

 

MINAS GERAIS

 

 Em Minas, a Revolução teve duas frentes de comando: uma em Barbacena e a outra em Juiz de Fora, área da 4ª Região Militar e do 12° Regimento de Infantaria. Havia núcleos de combatentes em todas as cidades importantes de cada região do Estado.

 Em Manhuaçu foi criado o Comando Revolucionário sob a liderança do célebre e temido Delegado de Polícia Capitão José Machado da Silveira (o Capitão Machado), oriundo do 12° RI, A primeira providência do Capitão Machado foi encontrar lugar para abrigo do Pelotão Revolucionário. Com plenos poderes para agir, respaldado pelo comando regional de Juiz de Fora, o Capitão Machado decidiu requisitar o prédio do Hospital César Leite para servir de Quartel General da força revolucionária de Manhuaçu. Ele só não contava com a bravura de um pernambucano, cheio de coragem e honradez que, enfático, foi logo dizendo: “No hospital, não! Toda guerra precisa de hospital para tratar os feridos. Vai colocar seu quartel general noutro lugar! Tem igrejas, escolas, galpões... No hospital, não”!

Diante da resistência indômita do Dr. João César de Oliveira Leite, o Capitão Machado acabou escolhendo para Quartel General um galpão onde atualmente se localiza a Casa Paroquial e a alimentação da tropa ficou a cargo da pensão de Dona Alzira Badaró, localizada ao lado da Igreja da Conceição, no bairro Coqueiro.

 Contando apenas com 16 soldados, o Capitão Machado, alegando ter recebido ordens para invadir o Estado do Espírito Santo, que na Revolução ficou ao lado de São Paulo, passou à segunda fase de sua missão: recrutar jovens entre 18 e 25 anos para a luta armada.

 

RECRUTAMENTO

 

 As famílias entraram em desespero. As mães pressionavam os maridos a não deixarem os filhos partirem para a luta armada. Rapazes fugiam e se escondiam nas matas existentes naquela época. Assim, a coisa ficou mais preta ainda. Prevendo uma debandada geral, o Capitão Machado baixou um decreto revolucionário: Quem se recusar a se alistar será fuzilado!

 Do Córrego da Sinceridade, onde residia Sylas Heringer, foram recrutados, além dele, os seguintes jovens: Oliveiro Heringer, seu irmão, Gentil Eller, José Andrade Porto e José Perroud.

 Sylas Heringer narra em sua autobiografia: “Na correria para cumprir a convocação, apresentamos ao Comando Supremo descalços, pois não houve tempo para comprar botinas. Inicialmente, fui designado para render guarda na Cadeia, onde hoje se ergue o Paço Municipal".

 O Capitão Machado formou um pelotão de 221 recrutas para invadir o Espírito Santo e o destacamento militar ficou para manter a ordem e proteger a cidade de um eventual ataque capixaba.

 


EMBARQUE

 

 No dia 12 de outubro de 1930, numa tarde de domingo, o Capitão Machado perfilou a tropa em frente à Igreja Matriz, onde hoje é a Praça Cordovil Pinto Coelho, para a marcha até à Estação Ferroviária, onde um trem especial levaria o pelotão revolucionário até Dores do Rio Preto, na divisa de Minas e Espírito Santo.

 Depois de cantar o Hino Nacional e hastear a bandeira, a coluna seguiu marchando para a Baixada. A marcha era dantesca: Mães choravam e imploravam pelos filhos que iam para o campo de batalha.

Em sua autobiografia, Sylas Heringer descreve: “Lembro, em particular, da senhora mãe do Teócrito Nagle que, no local onde hoje é a Casa de Cultura, num ímpeto, avançou sobre a coluna e abraçou com o filho, chorando e gritando desesperadamente: _Não vou deixar vocês levarem meu filho para a morte”!

 Depois de uma longa demora, os revolucionários de Manhuaçu, enfim, conseguiram embarcar rumo ao Espírito Santo. Nos vagões os jovens cantavam e faziam uma tremenda algazarra. Pareciam que iam para um piquenique e não para a luta armada.

 À noite, o pelotão chegou em Espera Feliz e foi alojado num cinema. A comida, feita às pressas em tacho de cobre mal lavado, ocasionou diarreia em mais da metade dos combatentes.

 Na madrugada de segunda-feira, dia 13 de outubro, o pelotão embarcou no trem que o levou até o arraial de Dores do Rio Preto. Ali a tropa desembarcou e preparou para invadir o Estado vizinho.

 Em sua autobiografia, o Professor Sylas Heringer narra a invasão: “Usando métodos de combate e armados de carabinas no lugar de fuzis, preocupados em encontrar resistência, avançávamos às vezes agachados e até rastejando e, ao aproximarmos da ponte férrea, verificamos a ausência de qualquer resistência da parte dos invadidos; pelo contrário, o clima era de tranquilidade. Então, embarcamos no trem especial novamente e rumamos para o município de Guaçuí, onde tomamos a cidade sem nenhuma reação da parte das tropas capixabas”.

 Em Guaçuí, assumiu o comando geral da tropa revolucionária o Capitão P. L. Magalhães Barata, militar enérgico e treinado em guerra de guerrilha. A primeira providência que tomou foi prender o destacamento policial na cadeia local e destituir dos cargos o prefeito, o vice-prefeito e os vereadores. Capitão Barata dividiu o pelotão em duas patrulhas: uma permaneceu mantendo a ordem e a outra foi levada até ao alto de uma colina em Celina, ponto estratégico para vigiar a estrada de ferro e as trilhas de acesso à cidade. Lá embaixo, ao longe, a patrulha divisou uma multidão de civis que fugia da guerra, subindo por uma lavoura de café tentando alcançar a floresta, onde buscaram abrigo. O Comandante, ávido para entrar em combate, deu a ordem: “Vamos atacá-los de surpresa!”. Sylas Heringer narra esse episódio em sua autobiografia: “Ponderei com o comandante da patrulha que ali estavam mães aflitas, crianças e velhos apavorados e nós devíamos poupar munição para o ataque aos contrarrevolucionários.” A maioria dos milicianos concordou com Sylas e então o comandante decidiu que a patrulha deveria ficar no posto de observação. Veio a noite e com ela uma neblina intermitente e fria. O comandante destacou Sylas e seu primo Gentil Eller como sentinelas, no topo de um talude da linha férrea, com instruções pra não deixar ninguém passar. O restante da tropa foi dormir. Foi uma noite terrível, pois eles estavam viajando em vagões que transportaram açúcar e o corpo melado atraía todo tipo de pernilongo. A chuva fina engrossou e surgiram trovões e relâmpagos, por um lado foi bom porque lavou o melado do corpo. Entretanto, a chuva trouxe um frio cortante e, com fome, ninguém conseguiu dormir direito.

Os contrarrevolucionários capixabas não apareceram e, no dia seguinte, uma camionete trouxe café e broa de milho para a patrulha, retornando os combatentes à cidade de Guaçuí.

 

DIFICULDADES

 

Em Guaçuí reinava grande movimentação de pessoal de toda a ordem, voluntários sem a menor noção do que era o movimento revolucionário. Os irmãos Sylas e Oliveiro foram colocados em pelotões separados. Sylas na linha de frente para combater os capixabas enquanto Oliveiro foi encarregado de comandar o destacamento responsável pela guarda do vagão de armas e munições. Quando o pelotão de Manhuaçu estava se preparando para avançar até à cidade de Alegre, eis que chega uma patrulha de Manhumirim comandada pelo Delegado José Pulsino e seu bate-pau Horácio Munheca, trazendo presos os soldados capixabas do destacamento de Rio Pardo, entregues sob a guarda do Capitão Barata que trancafiou-os na cadeia pública. Temendo um motim dos soldados capixabas, o Capitão Magalhães Barata destacou Sylas Heringer e mais dois soldados para montar guarda na Cadeia Pública. Isso atrasou o pelotão de Manhuaçu em sua marcha rumo à capital Vitória. Sorte dos soldados capixabas, que presos sem água e famintos, tiveram a complacência de Sylas Heringer, que ordenou a um de seus comandados que trouxesse água para os presos. Em seguida, foi até à padaria que havia perto da prisão e comprou um quilo e meio de salame fatiado e trinta pães, que distribuiu com os presos para matar a fome. Com isso, os presos se acalmaram e esperaram com paciência o desfecho da situação.

 No dia seguinte, o pelotão de Manhuaçu já estava embarcado no vagão de passageiros, quando o Capitão Barata deu a ordem para que todos tirassem a munição das carabinas. Aí aconteceu a tragédia, a primeira baixa no pelotão. Enquanto os combatentes esvaziavam as armas, de repente ouviu-se um tiro e o soldado Mário Câmara caiu ferido sobre um banco. Todos pensaram que o trem estava sendo atacado e, num tumulto ensurdecedor, os soldados recarregavam as armas e se colocavam a postos para revidar o ataque, só então que se deram conta de que o soldado Câmara havia se ferido por um próprio companheiro, num “fogo amigo”. A bala atingiu a têmpora direita e saiu pela esquerda e vazou pelo teto do vagão, deixando dois orifícios jorrando sangue.

 Foi um tremendo alvoroço. O Capitão Magalhães Barata entrou no vagão aos berros, ameaçando fuzilar quem fez aquilo. O autor do disparo era conhecido como Ataíde Jornaleiro. Mais uma vez a partida para Alegre foi adiada.

 Esse episódio foi o mais difícil de todos. É o próprio Sylas Heringer quem narra em sua autobiografia: “O Capitão Barata esvaziou os vagões e colocou o pelotão em prontidão na plataforma da estação férrea, até registrar a ocorrência fatídica. Na plataforma da estação ficamos em coluna de dois, aguardando novas ordens. Sem dormir, cansado e com fome, em pé ali em posição de sentido, apareceu um calor estranho no alto da minha cabeça. Então eu falei com o Gentil Eller: _Estou passando mal, acho que vou desmaiar!” Ele virou para mim e disse: “Poxa, você está muito pálido!” Não vi mais nada, quando acordei o Capitão Barata estava desabotoando a minha camisa e já tinha tirado o meu calçado. Um farmacêutico ao meu lado preparava uma injeção de óleo canforado, que aplicou no meu braço esquerdo. O Capitão Barata ajudou-me a levantar e sentou-me num banco da Estação e ordenou-me que entregasse a arma e toda a munição a um ajudante de ordens; deu-me uma xícara de café bem forte e quente e me recuperei rapidamente. Liberou-me de qualquer atividade naquele dia e ordenou-me que fosse ao médico da cidade”.

 

CABO SYLAS

 

Em 1996, Professor Sylas Heringer 
prestigia evento de Enfermagem, no 
CTPM Manhuaçu.

    Finalmente o pelotão de Manhuaçu conseguiu embarcar para Alegre, alojando-se num prédio velho e inacabado. Em sua autobiografia Sylas Heringer narra os acontecimentos em Alegre: “À tarde do dia da chegada em Alegre, nos apresentamos ao comandante daquela cidade, cujo nome não me lembro mais. O comandante nos colocou perfilados e em posição de sentido. Ordenou que eu me apresentasse e, diante do pelotão, colocou uma divisa de cabo no meu braço esquerdo e disse: “Elevo o soldado Sylas Heringer a cabo e o nomeio comandante do destacamento policial de Alegre e ele deverá, juntamente com uma escolta de dez homens, manter guarda na cadeia pública onde estão os presos políticos e responder pela manutenção da ordem pública na cidade.” Ato contínuo, seguimos eu e os dez companheiros, juntamente com o comandante, para assumir a cadeia. Lá chegando, fizemos o inventário dos presos, cela por cela, e havia uma cela que só tinha um preso. Devia ter alguma importância, porque o comandante me ordenou: _Esse aí, ao primeiro ato de rebeldia, você pode fuzilá-lo dentro da cela mesmo!” Arrisquei uma pergunta: _O que ele fez?

O comandante respondeu: “Recebeu um vagão de nossos revolucionários à bala, descarregando vários tiros de carabina e gritando: _Viva Júlio Prestes!”.

 O povo de Alegre era simpatizante da causa revolucionária e recebeu o Pelotão de Manhuaçu com a maior cordialidade, porque a cidade havia aderido ao comando revolucionário de Minas contra seus próprios políticos. Ofereciam comida aos soldados e à noite seresteiros e as moças do lugar iam cantar em frente ao alojamento a marchinha “Taí”, primeiro lugar nas paradas das emissoras de rádio. Não parecia uma guerra, parecia mais uma festa. Foi então que a cidade mergulhou num verdadeiro tiroteio de fogos de artifício. Toda a população comemorou a tomada de Vitória e a queda do Presidente do Espírito Santo, Aristeu Borges de Aguiar, aliado dos paulistas.

 

FINAL FELIZ

 

Com a queda do Governo do Espírito Santo, os capixabas aderiram em massa às tropas de Minas e o pelotão de Manhuaçu recebeu reforços de mais de trezentos voluntários. O Comandante estava num dilema: Não havia estrutura para conter tantos combatentes. Foi então que ele teve uma ideia: dispensar os mais antigos e prosseguir com os mais novos. Reuniu todo mundo em frente ao quartel e fez um discurso inflamado, enaltecendo as causas da revolução e agradecendo a grande colaboração que estava recebendo do povo de Alegre. Explicou a ausência de estrutura, como a falta de transporte para tanta gente, bem como roupas, munição, armas e alojamentos, sentia na obrigação de dispensar os combatentes e que ele, Comandante Geral, garantiria o retorno de todos aos seus lugares de origem.

 O Cabo Sylas estava preparando-se para entrar no trem que levaria a tropa de Manhuaçu até Vitória, revisando a mochila e limpando a carabina, quando o Comandante Geral chegou com um voluntário e foi logo dizendo: “Cabo Sylas, entregue sua arma e munição a este voluntário, que irá substituí-lo no pelotão daqui pra frente, pois você será dispensado e poderá voltar para casa. Sua missão daqui para frente vai ser conduzir um soldado que perdeu a memória até à sua família. Você terá salvo-conduto até seu destino”.

 Quando Sylas Heringer viu o soldado que deveria acompanhar, teve que segurar para não soltar uma gargalhada: Era seu futuro cunhado José de Andrade Porto, conhecido como Zizico.

 Assim, a revolução de 1930 terminou para um jovem destemido que mal acabara de completar dezoito anos, mas que, ao longo de sua vida, deixou seu nome gravado na história de Manhuaçu: Professor Sylas Heringer. (Texto: Sebastião Fernandes/ Academia Manhuaçuense de Letras)


Veja também: https://blogdothomazjr.blogspot.com/2013/06/revolucao-de-1930-manhuacu-vai-guerra.html

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