Na
República Velha, havia uma aliança entre as lideranças políticas de Minas
Gerais e São Paulo para a alternância no poder, conhecida como “política do
café com leite”. Em um pleito, São Paulo indicava o candidato a Presidente da
República; no outro, era a vez de Minas Gerais. Em 1929, Minas quem indicaria o
candidato, mas São Paulo rompeu o acordo e as lideranças políticas paulistas
lançaram Júlio Prestes. Em resposta à afronta, o Presidente de Minas Gerais,
Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, hipotecou apoio ao candidato gaúcho
Getúlio Vargas.
Em 1° de março de 1930, realizou-se a
eleição. A vitória foi do candidato governista Júlio Prestes. Porém, ele não
tomou posse, em virtude do golpe de estado desencadeado em 3 de outubro de
1930, conhecido como “Revolução de 1930”. O candidato vitorioso Júlio Prestes
foi preso e exilado, ao término do levante, que durou exatamente um mês,
patrocinado pela Aliança Liberal formada pelos Estados de Minas Gerais, Rio Grande
do Sul e Paraíba.
Em 3
de novembro de 1930, data que marcou o fim da República Velha, o candidato
derrotado Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório e passou a
governar sob o regime de ditadura.
MINAS GERAIS
Em
Minas, a Revolução teve duas frentes de comando: uma em Barbacena e a outra em
Juiz de Fora, área da 4ª Região Militar e do 12° Regimento de Infantaria. Havia
núcleos de combatentes em todas as cidades importantes de cada região do
Estado.
Em
Manhuaçu foi criado o Comando Revolucionário sob a liderança do célebre e
temido Delegado de Polícia Capitão José Machado da Silveira (o Capitão Machado),
oriundo do 12° RI, A primeira providência do Capitão Machado foi encontrar
lugar para abrigo do Pelotão Revolucionário. Com plenos poderes para agir,
respaldado pelo comando regional de Juiz de Fora, o Capitão Machado decidiu
requisitar o prédio do Hospital César Leite para servir de Quartel General da
força revolucionária de Manhuaçu. Ele só não contava com a bravura de um
pernambucano, cheio de coragem e honradez que, enfático, foi logo dizendo: “No
hospital, não! Toda guerra precisa de hospital para tratar os feridos. Vai
colocar seu quartel general noutro lugar! Tem igrejas, escolas, galpões... No
hospital, não”!
Diante da resistência indômita do Dr. João
César de Oliveira Leite, o Capitão Machado acabou escolhendo para Quartel General
um galpão onde atualmente se localiza a Casa Paroquial e a alimentação da tropa
ficou a cargo da pensão de Dona Alzira Badaró, localizada ao lado da Igreja da
Conceição, no bairro Coqueiro.
Contando apenas com 16 soldados, o Capitão
Machado, alegando ter recebido ordens para invadir o Estado do Espírito Santo, que
na Revolução ficou ao lado de São Paulo, passou à segunda fase de sua missão:
recrutar jovens entre 18 e 25 anos para a luta armada.
RECRUTAMENTO
As
famílias entraram em desespero. As mães pressionavam os maridos a não deixarem
os filhos partirem para a luta armada. Rapazes fugiam e se escondiam nas matas
existentes naquela época. Assim, a coisa ficou mais preta ainda. Prevendo uma
debandada geral, o Capitão Machado baixou um decreto revolucionário: Quem se
recusar a se alistar será fuzilado!
Do
Córrego da Sinceridade, onde residia Sylas Heringer, foram recrutados, além
dele, os seguintes jovens: Oliveiro Heringer, seu irmão, Gentil Eller, José
Andrade Porto e José Perroud.
Sylas
Heringer narra em sua autobiografia: “Na correria para cumprir a convocação,
apresentamos ao Comando Supremo descalços, pois não houve tempo para comprar
botinas. Inicialmente, fui designado para render guarda na Cadeia, onde hoje se
ergue o Paço Municipal".
O
Capitão Machado formou um pelotão de 221 recrutas para invadir o Espírito Santo
e o destacamento militar ficou para manter a ordem e proteger a cidade de um eventual
ataque capixaba.
EMBARQUE
No dia
12 de outubro de 1930, numa tarde de domingo, o Capitão Machado perfilou a
tropa em frente à Igreja Matriz, onde hoje é a Praça Cordovil Pinto Coelho,
para a marcha até à Estação Ferroviária, onde um trem especial levaria o
pelotão revolucionário até Dores do Rio Preto, na divisa de Minas e Espírito
Santo.
Depois
de cantar o Hino Nacional e hastear a bandeira, a coluna seguiu marchando para
a Baixada. A marcha era dantesca: Mães choravam e imploravam pelos filhos que
iam para o campo de batalha.
Em sua autobiografia, Sylas Heringer
descreve: “Lembro, em particular, da senhora mãe do Teócrito Nagle que, no
local onde hoje é a Casa de Cultura, num ímpeto, avançou sobre a coluna e
abraçou com o filho, chorando e gritando desesperadamente: _Não vou deixar
vocês levarem meu filho para a morte”!
Depois
de uma longa demora, os revolucionários de Manhuaçu, enfim, conseguiram
embarcar rumo ao Espírito Santo. Nos vagões os jovens cantavam e faziam uma
tremenda algazarra. Pareciam que iam para um piquenique e não para a luta
armada.
À
noite, o pelotão chegou em Espera Feliz e foi alojado num cinema. A comida,
feita às pressas em tacho de cobre mal lavado, ocasionou diarreia em mais da
metade dos combatentes.
Na
madrugada de segunda-feira, dia 13 de outubro, o pelotão embarcou no trem que o
levou até o arraial de Dores do Rio Preto. Ali a tropa desembarcou e preparou
para invadir o Estado vizinho.
Em sua
autobiografia, o Professor Sylas Heringer narra a invasão: “Usando métodos de
combate e armados de carabinas no lugar de fuzis, preocupados em encontrar
resistência, avançávamos às vezes agachados e até rastejando e, ao aproximarmos
da ponte férrea, verificamos a ausência de qualquer resistência da parte dos
invadidos; pelo contrário, o clima era de tranquilidade. Então, embarcamos no
trem especial novamente e rumamos para o município de Guaçuí, onde tomamos a
cidade sem nenhuma reação da parte das tropas capixabas”.
Em
Guaçuí, assumiu o comando geral da tropa revolucionária o Capitão P. L.
Magalhães Barata, militar enérgico e treinado em guerra de guerrilha. A
primeira providência que tomou foi prender o destacamento policial na cadeia
local e destituir dos cargos o prefeito, o vice-prefeito e os vereadores.
Capitão Barata dividiu o pelotão em duas patrulhas: uma permaneceu mantendo a
ordem e a outra foi levada até ao alto de uma colina em Celina, ponto
estratégico para vigiar a estrada de ferro e as trilhas de acesso à cidade. Lá
embaixo, ao longe, a patrulha divisou uma multidão de civis que fugia da
guerra, subindo por uma lavoura de café tentando alcançar a floresta, onde
buscaram abrigo. O Comandante, ávido para entrar em combate, deu a ordem:
“Vamos atacá-los de surpresa!”. Sylas Heringer narra esse episódio em sua
autobiografia: “Ponderei com o comandante da patrulha que ali estavam mães
aflitas, crianças e velhos apavorados e nós devíamos poupar munição para o
ataque aos contrarrevolucionários.” A maioria dos milicianos concordou com
Sylas e então o comandante decidiu que a patrulha deveria ficar no posto de
observação. Veio a noite e com ela uma neblina intermitente e fria. O
comandante destacou Sylas e seu primo Gentil Eller como sentinelas, no topo de
um talude da linha férrea, com instruções pra não deixar ninguém passar. O
restante da tropa foi dormir. Foi uma noite terrível, pois eles estavam
viajando em vagões que transportaram açúcar e o corpo melado atraía todo tipo
de pernilongo. A chuva fina engrossou e surgiram trovões e relâmpagos, por um
lado foi bom porque lavou o melado do corpo. Entretanto, a chuva trouxe um frio
cortante e, com fome, ninguém conseguiu dormir direito.
Os contrarrevolucionários capixabas não
apareceram e, no dia seguinte, uma camionete trouxe café e broa de milho para a
patrulha, retornando os combatentes à cidade de Guaçuí.
DIFICULDADES
Em Guaçuí reinava grande movimentação de
pessoal de toda a ordem, voluntários sem a menor noção do que era o movimento
revolucionário. Os irmãos Sylas e Oliveiro foram colocados em pelotões
separados. Sylas na linha de frente para combater os capixabas enquanto
Oliveiro foi encarregado de comandar o destacamento responsável pela guarda do
vagão de armas e munições. Quando o pelotão de Manhuaçu estava se preparando
para avançar até à cidade de Alegre, eis que chega uma patrulha de Manhumirim
comandada pelo Delegado José Pulsino e seu bate-pau Horácio Munheca, trazendo
presos os soldados capixabas do destacamento de Rio Pardo, entregues sob a
guarda do Capitão Barata que trancafiou-os na cadeia pública. Temendo um motim
dos soldados capixabas, o Capitão Magalhães Barata destacou Sylas Heringer e
mais dois soldados para montar guarda na Cadeia Pública. Isso atrasou o pelotão
de Manhuaçu em sua marcha rumo à capital Vitória. Sorte dos soldados capixabas,
que presos sem água e famintos, tiveram a complacência de Sylas Heringer, que
ordenou a um de seus comandados que trouxesse água para os presos. Em seguida,
foi até à padaria que havia perto da prisão e comprou um quilo e meio de salame
fatiado e trinta pães, que distribuiu com os presos para matar a fome. Com
isso, os presos se acalmaram e esperaram com paciência o desfecho da situação.
No dia
seguinte, o pelotão de Manhuaçu já estava embarcado no vagão de passageiros,
quando o Capitão Barata deu a ordem para que todos tirassem a munição das
carabinas. Aí aconteceu a tragédia, a primeira baixa no pelotão. Enquanto os combatentes
esvaziavam as armas, de repente ouviu-se um tiro e o soldado Mário Câmara caiu
ferido sobre um banco. Todos pensaram que o trem estava sendo atacado e, num
tumulto ensurdecedor, os soldados recarregavam as armas e se colocavam a postos
para revidar o ataque, só então que se deram conta de que o soldado Câmara
havia se ferido por um próprio companheiro, num “fogo amigo”. A bala atingiu a
têmpora direita e saiu pela esquerda e vazou pelo teto do vagão, deixando dois
orifícios jorrando sangue.
Foi um
tremendo alvoroço. O Capitão Magalhães Barata entrou no vagão aos berros,
ameaçando fuzilar quem fez aquilo. O autor do disparo era conhecido como Ataíde
Jornaleiro. Mais uma vez a partida para Alegre foi adiada.
Esse
episódio foi o mais difícil de todos. É o próprio Sylas Heringer quem narra em
sua autobiografia: “O Capitão Barata esvaziou os vagões e colocou o pelotão em
prontidão na plataforma da estação férrea, até registrar a ocorrência fatídica.
Na plataforma da estação ficamos em coluna de dois, aguardando novas ordens.
Sem dormir, cansado e com fome, em pé ali em posição de sentido, apareceu um
calor estranho no alto da minha cabeça. Então eu falei com o Gentil Eller: _Estou
passando mal, acho que vou desmaiar!” Ele virou para mim e disse: “Poxa, você
está muito pálido!” Não vi mais nada, quando acordei o Capitão Barata estava
desabotoando a minha camisa e já tinha tirado o meu calçado. Um farmacêutico ao
meu lado preparava uma injeção de óleo canforado, que aplicou no meu braço
esquerdo. O Capitão Barata ajudou-me a levantar e sentou-me num banco da
Estação e ordenou-me que entregasse a arma e toda a munição a um ajudante de
ordens; deu-me uma xícara de café bem forte e quente e me recuperei
rapidamente. Liberou-me de qualquer atividade naquele dia e ordenou-me que
fosse ao médico da cidade”.
CABO SYLAS
![]() |
Em 1996, Professor Sylas Heringer prestigia evento de Enfermagem, no CTPM Manhuaçu. |
O comandante respondeu: “Recebeu um vagão de
nossos revolucionários à bala, descarregando vários tiros de carabina e
gritando: _Viva Júlio Prestes!”.
O povo
de Alegre era simpatizante da causa revolucionária e recebeu o Pelotão de
Manhuaçu com a maior cordialidade, porque a cidade havia aderido ao comando
revolucionário de Minas contra seus próprios políticos. Ofereciam comida aos soldados
e à noite seresteiros e as moças do lugar iam cantar em frente ao alojamento a
marchinha “Taí”, primeiro lugar nas paradas das emissoras de rádio. Não parecia
uma guerra, parecia mais uma festa. Foi então que a cidade mergulhou num verdadeiro
tiroteio de fogos de artifício. Toda a população comemorou a tomada de Vitória
e a queda do Presidente do Espírito Santo, Aristeu Borges de Aguiar, aliado dos
paulistas.
FINAL FELIZ
Com a queda do Governo do Espírito Santo, os
capixabas aderiram em massa às tropas de Minas e o pelotão de Manhuaçu recebeu
reforços de mais de trezentos voluntários. O Comandante estava num dilema: Não
havia estrutura para conter tantos combatentes. Foi então que ele teve uma ideia:
dispensar os mais antigos e prosseguir com os mais novos. Reuniu todo mundo em
frente ao quartel e fez um discurso inflamado, enaltecendo as causas da
revolução e agradecendo a grande colaboração que estava recebendo do povo de
Alegre. Explicou a ausência de estrutura, como a falta de transporte para tanta
gente, bem como roupas, munição, armas e alojamentos, sentia na obrigação de
dispensar os combatentes e que ele, Comandante Geral, garantiria o retorno de
todos aos seus lugares de origem.
O Cabo
Sylas estava preparando-se para entrar no trem que levaria a tropa de Manhuaçu
até Vitória, revisando a mochila e limpando a carabina, quando o Comandante
Geral chegou com um voluntário e foi logo dizendo: “Cabo Sylas, entregue sua
arma e munição a este voluntário, que irá substituí-lo no pelotão daqui pra
frente, pois você será dispensado e poderá voltar para casa. Sua missão daqui
para frente vai ser conduzir um soldado que perdeu a memória até à sua família.
Você terá salvo-conduto até seu destino”.
Quando
Sylas Heringer viu o soldado que deveria acompanhar, teve que segurar para não
soltar uma gargalhada: Era seu futuro cunhado José de Andrade Porto, conhecido
como Zizico.
Assim,
a revolução de 1930 terminou para um jovem destemido que mal acabara de
completar dezoito anos, mas que, ao longo de sua vida, deixou seu nome gravado
na história de Manhuaçu: Professor Sylas Heringer. (Texto: Sebastião Fernandes/ Academia Manhuaçuense de Letras)
Veja também: https://blogdothomazjr.blogspot.com/2013/06/revolucao-de-1930-manhuacu-vai-guerra.html
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