Texto de Dr. Alberto Goldin - Psicanalista
"SOU DESPORTISTA E EMPRESÁRIO bem sucedido. Tenho 48 anos, casado há 10 e com duas filhas, de 8 e 4 anos. Já traí minha esposa, porém esses casos nunca tiveram qualquer importância para mim, até que conheci a Maria, que tem 41 anos, colega de trabalho, e que posso dizer que é o grande amor da minha vida. Não tenho dúvida disso. Um amor explode no meu peito, e sei que se existe alma gêmea é ela. Completamo-nos em tudo. O caso é tão sério que quando olho minha esposa, penso: -o que estou fazendo aqui? Mas não consigo me separar por entender que tenho que levar a criação dos meus filhos até o fim, e para que eles não sofram, consequentemente tenho que levar o casamento. Acho que vou abandoná-los caso eu me separe, sem contar que a minha esposa pode encontrar outra pessoa e esta se tornar um pai para meus filhos (não suporto essa ideia).
Chega a ser uma crueldade com o ser humano ter que escolher entre o amor da sua vida e convívio com os filhos. O que fazer? Continuar a vida paralela até quando? Vou esperar ansiosamente uma resposta. Paulo"
PODERIA SE CONSIDERAR SATISFEITO COM O razoável conforto que sua casa lhe oferecia, apesar da edificação registrar o desgaste de uma década de uso. É verdade que eram detalhes pouco significativos que, em circunstâncias normais passariam desapercebidos, porém...
Tudo complicou quando um amigo arquiteto lhe ofereceu a planta de uma casa nova, mais ampla, mais moderna e bastante arrojada em seu conjunto. O fato foi que, a partir desse dia, de olhos fechados passava horas imaginando modificações e detalhes de decoração...
Era óbvio que sua residência atual, até então adequada às suas necessidades, perdia, dia após dia, um pouco do seu brilho original, enquanto a nova, mesmo antes de sair do papel, ganhava novos e sedutores traços.
Em momentos de lucidez percebeu que, com olhos apaixonados, o passado sempre perde. É diferente abrir uma nova janela, quebrando a grossa parede de cimento do que corrigi-la na planta, para não citar os atuais recursos de computação gráfica, que antecipam na tela todos os caprichos arquitetônicos do seu futuro dono.
Paulo é um exemplo dramático deste dilema. Construiu uma família que, como todas, deu alegrias e frustrações, porém ainda assim lhe era confortável até o apaixonado encontro com Maria, com quem mantém uma relação paralela e brilhante. Está convencido de que sua futura convivência será mais fácil e prazerosa, sem discussões inúteis, nem tédio nas tardes de domingo.
O futuro se anuncia sempre novo e luminoso, como as coloridas imagens da computação gráfica. Não duvidamos do mérito, nem da intensidade do encontro com Maria, o que pretendemos é alertá-lo quanto ao risco de se instalar, de forma imprudente, em cenários futuros. As casas que ainda não foram construídas não têm mosquitos, nem infiltrações, suas imagens aparecem claras, limpas e praticamente perfeitas. Não sabemos se é o caso de Paulo, no entanto, com alguma frequência assistimos homens e mulheres que, sacudidos pelo inebriante efeito da paixão, confundem projetos gráficos com objetos reais. A preocupação do Paulo com o futuro das suas filhas, ainda pequenos, é pertinente, apesar de sabermos que se continuarem cercados de cuidados e carinho vão superar a separação dos seus pais, desde que sejam tomadas decisões certas. Pais felizes, juntos ou separados, são a melhor garantia de um crescimento saudável. Por isso Paulo precisa ter certeza da sua decisão de tornar real seu plano teórico, marcando a diferença entre o começo de uma nova relação e o real desejo de desistir da antiga. Se o começo de uma não coincidir com o final da outra, ambos os projetos correm perigo e, se coincidirem, a passagem, mesmo que difícil, será menos traumática. Para isso é preciso estar alerta, visualizar o futuro sem idealizá-lo, lembrando que mosquitos e infiltrações são insistentes e invadem sem aviso prévio as residências, sem importar se são antigas ou recentes. Paulo atravessa um momento difícil e relevante da sua vida. Qualquer que seja sua decisão a experiência de amar é a tentativa mais radical de passar a limpo sua vida e toda revolução, seja imobiliária ou afetiva, tem custos e benefícios e seu balanço só se fecha na hora em que o futuro se torna passado.
(Publicado em Coluna de domingo REVISTA O GLOBO, 25 de maio de 2014 e Extraído de http://www.albertogoldin.com.br/colunas_anteriores.htm)
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